
Janeiro é o mês da visibilidade trans e travesti, período que amplia o significado e a importância do dia 29 de janeiro, data que foi criada pelo Ministério da Saúde em 2004, para ampliar a visibilidade de toda a comunidade travesti e trans.
Preconceito, violência, falta de afeto, pouquíssimas oportunidades e estatísticas alarmantes marcam a vida de travestis e transexuais no Brasil.
De acordo com Dossiê de 2019 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% da população de travestis e mulheres trans utilizam a prostituição como fonte de renda devido à falta de oportunidades no mercado de trabalho. E apenas 0,4% da comunidade está presente em algum curso de ensino superior no país.
No Dossiê de 2020, a ANTRA mostrou a triste marca 175 assassinatos registrados, cujas vítimas eram pessoas que expressavam o gênero feminino em contraposição ao designado no nascimento, expondo um aumento de mais de 40% em relação ao ano anterior. Já no ano de 2021, ano do último boletim, este número diminuiu para 56, no entanto, isto não é motivo para se comemorar, pois as pessoas pertencentes a esta parcela da população ocupam o primeiro lugar entre os crimes caracterizados como crime de ódio e com requinte de crueldade.
Além desses dados que evidenciam o quanto o Brasil é um país transfóbico, segundo o levantamento feito pela ONG Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata, em números absolutos, pessoas trans em todo o mundo, mantendo-se na 13° posição no ranking mundial. Além disso, dados da União Nacional LGBT apontam que a expectativa de vida dessa comunidade é de apenas 35 anos, enquanto que para o restante da população é 75,5 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A política de morte do Estado
Segundo o Dossiê Assassinatos e Violência contra Travestis e Trans Brasileiras, há uma política de morte perpetrada pelo Estado. Alguns fatores que contribuem para este cenário, de acordo com a ANTRA, são:
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Proibição das discussões sobre gênero, sexualidade e diversidade nas escolas;
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Interferência no Estado de uma ideologia religiosa em detrimento do Estado laico;
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Disseminação de uma política institucional anti-trans através da narrativa falaciosa de uma suposta “ideologia de gênero”;
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Alinhamento de grupos anti-trans nas esferas públicas e institucionais;
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Falta de campanhas de educação/prevenção da violência transfóbica;
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Ausência de projetos, ações e campanhas sobre educação e empregabilidade para a população trans;
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Dificuldade no acesso ou negação de atendimento de pessoas travestis e mulheres trans nas Delegacias da Mulher e demais aparelhos de proteção às vítimas de violência doméstica;
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Ausência de dados populacionais e estatísticos sobre a população LGBTQIA+;
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Dificuldade no acesso à saúde, especialmente no acesso aos procedimentos previstos no processo transexualizador e cuidados com a saúde mental;
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Ausência de casas-abrigo para LGBTQIA + que são expulsos de casa, em retorno de migração forçada ou tráfico de pessoas, perseguidos politicamente, em situação de rua ou que, por algum outro motivo, não tenha acesso a moradia/local para viver.
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Omissão frente às violações de direitos humanos e a necessidade de mapeamento, acompanhamento e controle quantitativo sobre a população trans privada de liberdade;
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Ausência de campos ou informações sobre nome social e identidade de gênero das vítimas no registro das ocorrências;
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Dificuldade no entendimento e na correta aplicação da decisão do STF que reconheceu a LGBTIfobia como crime de racismo nos termos da lei nº 7716/89; e
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Não reconhecimento e garantia da proteção através da Lei Maria da Penha ou a tipificação das mortes como feminicídio.
É devido a esses números e dados estatísticos que ainda é necessário um dia para visibilizar a luta trans e chamar a atenção para a situação de vulnerabilidade que marca essa parcela da população.
Alguns avanços no combate à vulnerabilidade
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Em 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS) retira a homossexualidade da lista internacional de doenças mentais.
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Em 2006, em Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a aceitar o uso do nome social, ou seja, aquele pelo qual travestis, trans e transgêneros querem ser chamados (as), em qualquer serviço da rede pública de saúde.
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Em 2008, o SUS criou o processo transexualizador. A partir de duas portarias do Ministério da Saúde, 1.707 e 457, o reconhecimento da orientação sexual e da identidade de gênero tornaram-se determinantes dentro da saúde. O atendimento a pessoas trans passa a ser feito com uma rede de acolhimento com uma equipe multidisciplinar de psicólogos, endócrinos e cirurgiões.
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Em 2016, a Defensoria Pública da União solicitou ao Conselho Nacional de Justiça que pessoas trans sem cirurgia tivessem também o direito de retificar o registro de nascimento.
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Em 2018, o Supremo Tribunal Federal autorizou que pessoas trans possam mudar nome e gêneto direto no cartório, sem precisar obter autorização judicial. Pela decisão, a alteração nos documentos passa a ser feita sem a exigência de mudanças físicas ou laudos médicos. Este ano também marcou um número expressivo de mulheres trans a serem eleitas para o legislativo federal – foram mais de 50 candidaturas. Erica Malunguinho foi a primeira trans eleita deputada estadual no Brasil, em São Paulo, e mais duas se elegeram por mandatos coletivos: Erika Hilton, pela Bancada Ativista, e Robeyoncé Lima, da Juntas, respectivamente em São Paulo e Pernambuco.
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Em 2019 a homotransfobia foi equiparada ao crime de racismo, prevista na Lei 7716/89.
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Em 2020, Erika Hilton torna-se vereadora de São Paulo com votação recorde.
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Em 2022, pela primeira vez na história uma atriz trans foi premiada pelo seu trabalho com o Globo de Ouro (uma das mais importantes honrarias do universo cultural). Aos 31 anos, MJ Rodriguez recebeu no dia 10 de janeiro o prêmio de Melhor Atriz pela série “Pose”, da Netflix.
Para saber mais…
- Identidade de gênero é a identificação do indivíduo como homem, mulher ou alguma categoria diferente do masculino e feminino
- Papel de gênero é a expressão pública da identidade de gênero através do comportamento e dos traços da personalidade
- Expressão de gênero é a maneira em que o indivíduo comunica a identidade de gênero por meio da aparência, vestimenta, cabelo, modo de falar e se comportar nas interações sociais
- Variabilidade de gênero é o grau em que a identidade, o papel e a expressão de gênero difere das expectativas sociais e culturais para um determinado sexo
- Não binário é o espectro de identidade com base na rejeição da ideia binária de que gênero é apenas uma opção entre masculino e feminino fundamentada no sexo atribuído ao nascimento.
- Cisgênero corresponde a uma pessoa cuja identidade de gênero coincide com o sexo biológico
- Transgênero é um indivíduo cuja identidade de gênero difere em diversos graus do sexo biológico.
- Trans é a pessoa que busca ou passa por uma transição social que pode incluir a transição por tratamentos hormonais ou cirúrgicos a fim de se assemelhar com sua identidade de gênero.
- Travesti corresponde ao indivíduo do sexo biológico masculino que se identifica com o gênero feminino mas que não necessariamente deseja mudar suas características primárias.
- Cross-dressing está ligado às pessoas que passam por um processo de se expressar com outro gênero em situações específicas, como em relações sexuais”.
- Orientação sexual se refere ao sentimento de atração de um indivíduo por outras pessoas, podendo ser do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou ainda sem referência ao sexo ou ao gênero. Pessoas que não sentem atração por outras podem se identificar como assexuadas.
- Nome social é a designação utilizada pela mulher ou homem transgênero ou pela travesti para se identificar de acordo com sua identidade de gênero, enquanto a alteração no registro civil ainda não foi promovida.
Referências: